Quando a primeira colher afundou no chantilly, ela pensou: isto é uma armadilha.
Como uma cadeira que parece demasiado confortável ou um dia quente em pleno inverno.

Havia qualquer coisa de insidioso na facilidade com que se entregava ao que sabia ser excessivo. Talvez fosse precisamente essa lenta e irreversível entrega que prepara o colapso.
Mas o desequilíbrio nunca começa na queda. Começa muito antes, num tempo que se estica além do razoável, num minúsculo detalhe que se repetiu mais uma vez do que devia. Acontece num quase-nada.

Talvez seja essa a definição de catástrofe: uma acumulação impercetível até ao ponto de deslizamento. E depois, não há mais nada a fazer.

Interrogava-se, por exemplo, sobre o prazer como forma desorientadora.
E se a graça não estiver na leveza, mas no desequilíbrio que ela causa?
Essa sensação breve de estar um pouco fora do corpo, porque se escorrega.

Sempre desconfiou da estabilidade.
A estabilidade é uma performance, uma coreografia em esforço.
Sabia que qualquer estrutura permanece apenas enquanto se mantiver o equilíbrio entre forças.

Talvez seja no tropeção que se revela o que estava por baixo — a hesitação, o quase, o desejo.
Suspeitava que a verdade, se é que existe, deve parecer-se mais com esse instante de descompasso do que com qualquer estrutura.

Pousou a colher, um pouco tarde demais.




(sobre colapso, prazer e outros contos, de Luísa Abreu, 2025)



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Fotografias por Carlos Campos