Foge-se em grupo porque assim se foge melhor, 2016.

1. Cerâmica e ferro,150 cm x 80 cm
2. Cerâmica e ferro, 30 x 30 x 25 cm
3. Cerâmica e ferro, 100 cm x 120 cm

*Resultados da residência artística na Cooperativa Árvore, com exposição no Maus Hábitos e apoio da Saco Azul.





“United we stand, divided we fall”



Os esforços de cooperação podem naufragar de uma hora para a outra. A vida, a natureza, a política, são estruturas muitas vezes frágeis e instáveis.  

Na exposição “Foge-se em grupo porque assim se foge melhor”, a artista Luísa Abreu mostra-nos que a arte pode ser uma força divergente. Vemos multidões agrupadas, vozes em uníssono e a consciência de que a união dos esforços é a base do processo de luta.

Os objectos que nos apresenta, seja em grupos, conjuntos ou múltiplos, são todos sinónimos de uma ideia de colectivo, e que podem muito bem funcionar como metáfora para as relações humanas, para uma crítica da nossa existência em sociedade e mais do que isso, em comunidade.

Uma comunidade pode ser a totalidade dos elementos que fazem parte do mesmo ecossistema e interagem entre si. Pode considerar-se que um amontoado de areia é uma multidão constituída por uma infinita quantidade de partículas, ou elementos de rocha degradada, e que pode ser empilhada até formar um monte.

Na peça “Peso de um monte de areia”, a artista cria um dispositivo que nos permite compreender os fenómenos físicos do peso e da gravidade, evocando-os através de um pequeno acontecimento poético, de um sentimento de absurdo latente – o monte de areia assenta num trampolim, ajudando-nos assim a sentir e a percepcionar vivamente o seu peso. No trabalho artístico de Luísa Abreu há uma vontade de humor como, se falando dos assuntos mais sérios, o fizesse sempre com uma risada entre os dentes, apresentando-nos subtis desvios semióticos, desafiando a nossa expectativa sobre a natureza dos materiais ou o lugar das coisas. Como se a sua arte se tratasse de uma pseudo-ciência – ora vejam-se os empíricos “Desenhos diagramáticos sobre a formação de um monte”.

A artista prende a nossa atenção com objectos ou materiais que tratam fenómenos aparentemente simples, mas que se tornam complexos porque ela desestabiliza o protocolo e a estrutura através dos quais eles nos aparecem habitualmente.

As suas peças têm um potencial ilimitado, as suas ligações são precárias, ou seja, podem ser organizadas e reorganizadas dependendo da vontade da artista e da proximidade com outros elementos. A sua génese não é estática, obedecendo mais a uma lei da boa vizinhança, do que qualquer outra possível indexação de conteúdos.

Sente-se o desejo de atribuir a objectos inanimados sentimentos ou acções próprias de quem é humano. Os elementos unos ou individuais podem ser frágeis, indecisos e redundantes. Os múltiplos ou conjuntos podem ser densos, compactos, em forma de multidão. O esforço abnegado do um pode reflectir altruísmo, coragem e espirito de sacrifício. O esforço comunitário de muitos demonstra a empatia, a vontade de partilha, a cidadania plena.

Mas ao tentar fabricar uma estabilidade, pode-se exagerar no número, na altura, na acumulação. Será preciso estabelecer um equilíbrio? Ou há que testar os limites?

Em “Foge-se em grupo porque assim se foge melhor” não existe o medo da falha, da ruína ou da divergência, porque o trabalho ocupa confortavelmente e em segurança esses lugares produtivos e incómodos.


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A expressão “United we stand, divided we fall”, que pode ser traduzida como juntos lutamos, divididos caímos, ou a união faz a força) é atribuída ao escritor Grego Esopo (620-560 a.C.).



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Susana Gaudêncio, Março 2017